terça-feira, 12 de abril de 2011

encantos e umbigos

foi um daquele dias de acordar abstrada. o diego iria rir, como riu quando leu essa frase, de helena acordando abstrada, no livro da jane tutikian. e acordei abstrata e, como helena diz, é sempre mau sinal.

despertador tocou e eu fiz a rotina de todos os dias: o desliguei. e antes mesmo de abrir os olhos soube que seria um dia sem nada de especial. não que coisas diferentes não acontecessem - afinal, não é todo dia que se aprende (dá pra falar que aprendi?), enfim, que se é ensinada a arrancar na lomba. mas seria um dia incompleto, sem brilho e encantos. e se alguém me dissesse isso, eu diria que o encanto está em todas as partes, que tem que saber olhar e que um dia sem encanto serve para que os dias com encanto acontecerem. mas pra mim, hoje, não. nada desses (auto) consolos. e sem aqueles desesperos infantis. foi um dia sem encanto, ponto. depois de um certo tempo, a gente se acostuma a aceitar as coisas não tão felizes assim com um simples: ponto. logo vem outro dia e quem sabe se resolve. e, se não resolver, outra coisa vai acontecer. e ponto.

repassando na minha mente, penso que não soube nada. que só imaginava que seriam 24h um tanto vazias e tortas. mas o meu lado otimista resolveu deixar os reclames de lado e encarar o trânsito, os telefonemas, os sotaques, o sapato vermelho e, inclusive, as lombas. e o meu lado desequilibrado pelos hormonios da tpm - nem sei se acredito muito nisso, mas me consola pensar que há algo físico fora do trilho do que psicológico (afinal, minhas idas duas vezes por semana na terapia me ensinaram a ser desequilibrada apenas dentro de uma sala branca, com duas cadeiras listradas coloridas, onde somente eu e ela possamos perceber) - e, como eu ia dizendo, esse fora de foco do dia de hoje resolveu olhar para o meu próprio umbigo e.

descobri que não penso mais só no meu próprio umbigo. que é o meu umbigo e o umbigo dele. perigoso, os cautelosos me diriam. que lindo, os românticos sussurrariam. e agora? digo eu. não soube nunca cuidar direito do meu próprio umbigo, como vou cuidar de mais um? como colocar na balança, entender, perceber outro umbigo e não só umbigo, mas barriga, peito, pescoço, ombos, mãos, pernas, joelhos, pés, rosto e coração, meu deus, cuidar de outro coração. e pesar e olhar e medir e avançar e retornar e segurar e se impor e contornar, meu deus, como ser uma pessoa sendo duas? e daí vem a crise. não a crise de ó-credo-o-que-estou-fazendo-aqui-quero-pegar-o-próximo-avião-e-partir, mas a crise de pronto-agora-tu-é-uma-mulher; pronto-agora-tu-conhece-o-amor; pronto-agora-tu-tem-outra-vida. e é a outra vida que transforma os dias vazios em encantados e quando essa outra vida não está por perto e meu dia tá cinza, vem a crise.

e no meio da crise eu leio sem querer um texto de uma amiga que não é desse mundo, é de outro, é de vênus, que gira pro lado contrário de todos os outros planetas, que é de lá, do mesmo lugar que eu e ela diz que não há nada mais triste e lindo que uma mulher triste. e fala da inocencia e inexperiencia que se perde com a experiencia. e das tristezas que já não são mais caos e sim tristeza. e é isso. é acordar abstrata, de pé virada, triste. e ser assim. e passar o dia comum, sem encantos. e saber que, apesar do não planejado (aprende, nem tudo sai como planejado), se tem um lar num piscar de olhos e que daqui a pouco se vai ouvir o tilintar das chaves e o encanto vai abrir a porta contando do seu dia. ele e o seu umbigo.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Escrito em 14 de dezembro de 2010 e postado aqui: http://coracaodetinta.tumblr.com/post/2315137402/como-o-coracao-pintado-nessa-porta-branca-pela. Sem nome, também.



Como o coração pintado nessa porta branca: pela metade, incompleto, vazio. Alguns detalhes e desenhos em degrade, algumas tentativas, mas o cansaço tomou conta e ele já se assumiu incompleto e assim continua preso ali. Então eu digo que não quero falar de amor, que eu cansei do amor e de tudo que ele traz, cansei de pichar nas paredes e implorar pras pessoas serem mais reais, mais humanas, cansei de deixar as pessoas entrarem aqui e eu cansei de tentar me entregar. De fazer o esforço pra alguém com alma tão livre e coração tão inquieto se aquietar em algum lugar. Se tivesse um botão off, eu apertaria agora mesmo. Cansei desses bla bla blás de sempre de todas as pessoa apaixonadas e de todas as pessoas com dor de cotovelo e estou de saco cheio de mim mesma de todo o amor que sai das pontas dos meus dedos quando digito que não quero falar de amor. Essa coisa tão inevitável e insuportável que é, essa força que move o mundo e ninguém vê, esse sentimento que faz meu peito pulsar e me enlouquecer, cansei dele. De todas as histórias incompletas e cheias de dramas, de todas as dores e perdas e dissabores e pregos e da vulgaridade com que se tornou freqüente e de como ele é frágil em minhas mãos, mas continua querendo voltar.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Esse foi escrito em 8 de outubro de 2010 e eu gosto MUITO dele.

Desaprendendo.

Não gosto dos textos de “aprendi que…”. Porque, embora acreditamos que estamos a todo tempo aprendendo algo, estamos desaprendendo. Desaprendendo a falar, a ser sinceros, a ser da essência. Aprender a jogar não é aprender. Ter resoluções que não levam a nada - a não ser para escrever um texto bonito, as pessoas te elogiarem e você achar que é uma pessoa melhor - não é aprender. Se dar conta do que você nunca precisaria aprender, se você não permitisse ter sido corrompido aos longos os anos, não é ser uma pessoa melhor. É voltar atrás. É se mostra vencido. Se mostrar vencido não é ruim, mas não tem toda essa nobreza que você exala apresentando que baixou a cabeça e decidiu um dia “olha só, como eu sou coitado, fui orgulhoso e bati de cabeça tantas vezes e aprendi, finalmente”. Bem incoerente e revoltante assim. E culpam a mídia, culpam a sociedade, culpam seus pais, culpam seus amigos. Culpe a si mesmo. Com todo esse aprendizado que você diz que tem, o que você tem feito? Você tem amado ao próximo como a ti mesmo? Você tem amado teus inimigos? Ou tem esbarrado nele em festas, derrubado copos de cerveja? Você ajuda uma pessoa a juntar as coisas que derrubou no meio da rua num dia de chuva? Ou você segue apressado o seu caminho? Você possui compaixão? Aquela dos países germânicos - que é compartilhar o sentimento que o outro sente, não essa bobagem que nós, dos países latinos chamamos de compaixão. Goethe (foi Goethe?) diz que a gente confunde compaixão com piedade. Quanta bobagem, nós, amantes latinos, tão animados e calorosos, tão mais receptivos e amáveis que o resto do mundo. Então me diz, ó nativo do país que estende a mão, VOCÊ TEM ESTENDIDO A MÃO? Você aprendeu, com todas essas vivências que diz possuir, você voltou a ser inocente como uma criança sensível e tem feito o melhor para os outros, qualquer pessoa que cruze a sua vida? Você tem amado estranhos tanto quanto ama a sua família? Aprendeu a valorizar seus pais? Devíamos, DESDE SEMPRE, valorizar o ser humano, QUALQUER SER HUMANO. Devíamos ter respeito, solidariedade, compaixão. E me irrito com o mundo, com você, com meus pais, com a sociedade, com a mídia e, PRINCIPALMENTE, comigo. Que tou aqui, escrevendo esse texto, mas não fazendo tudo que poderia fazer. Sei que hoje, ao sair dessas quatro paredes em que me prendo para no final do mês ganhar algum dinheiro para que possa, não mudar o mundo, mas pagar minhas festas, bebidas, roupas e futilidades, sei que ao sair dessas quatro paredes vou sentar na sarjeta na rua enquanto a chuva caí e admitir que nesses meus 21 anos de estradas e desencontros e ditos aprendizados, não aprendi nada. E quem sabe, AÍ, eu possa ser uma pessoa melhor.

Boa sexta.

Esse é de setembro de 2010 e pode ser encontrado aqui: http://coracaodetinta.tumblr.com/post/1052156802/pra-mim-escrever-e-uma-especie-de-criacao-de


Pra mim, escrever é uma espécie de criação de identidade. De construir e si mesmo. Uma espécie de garantia de si próprio. Como se ficasse evidente tudo que se é, que se busca, que se quer. Mesmo dizendo o que não se quer, constrói-se algo: o não querer.

Não pararei de escrever, mas tenho tentado me buscar além daqui, além das palavras. Porque eu não preciso narrar e falar das coisas para elas existirem. Eu não preciso limitar elas em folhas, livros, papéis ou textos. Elas podem ficar aqui dentro sem se debater. Elas podem não ser nomeadas nem determinadas. Elas podem existir sem motivo. Porque algumas coisas simplesmente não tem uma razão. E preciso aprender que isso é bom, que isso é capaz de ser tolerado, que é até bonito e, principalmente, parte da vida. Assim, me ensino que não preciso ter sempre raízes. Que posso ter asas que tanto escrevo que tenho, mas andam um tanto quanto fechadas e presas. Preciso de um voo. Um mergulho. Saltei.

Esse é de 26 de Julho e foi postado com a foto aqui:
Eu reli agora e lembrei que gosto bastante. Só não tem nome.

Foi então que eu tive vontade de muitas coisas. De escrever, de falar dele, do outro, de mim, de ninguém. Falar dos riscos que fiz no rosto enquanto ouvia aquela banda que não lembrava a ninguém mais além de mim e me lembrava de todos ao mesmo tempo. De contar de todas as vezes que fugi e fingi que simplesmente não queria mais, mas quando o que eu mais queria era estar lá e não fugir e não temer e parar. Eu tive vontade de acender incensos e lembrei que tinha alergia e espirrava sempre com o cheiro e que não havia incensos em casa. Fora aqueles que comprei nesse verão na cidade baixa porque o vendedor falava num sotaque espanhol bonito e era muito simpático e me fez rir e um sorriso vale dois reais quando a pessoa necessita. Mas depois encontrei ele outra noite quente nas mesmas ruas e ele me veio com o mesmo discurso e então perdi o encanto e nunca mais tive vontade de acender incensos. Não que eu fosse acender – já disse que me dão alergia? – mas eu antes tinha vontade. Deixei de ter quando vi os mesmos argumentos, as mesmas brincadeiras, a mesma estratégia. Hoje, enquanto pensava nele, no outro, em mim e ninguém, tive vontade de acender incensos. E pensei se eu não era que nem aquele vendedor ambulante, que também repetia ações, fatos, palavras, estratégias. Se não somos todos repetitivos. E então me olhei no espelho. E comecei a pintar o rosto, usando aquele estojo de maquiagem há quatro anos – nossa, já faz quatro anos? – guardado no armário do banheiro. Não sei se havia um motivo específico, mas agora relatando me questiono se não foi para provar que não sou repetitiva. Que ainda tenho algo de criativo em mim e que é desperto a qualquer hora e então passei a sombra preta e aquele pó foi pintando a minha pálpebra. Não havia pincel, não encontrei e nem quis muito procurar, com medo que o impulso de pintar o rosto sem motivo algum passasse. Eu nunca fui detalhista, muito menos perfeccionista mesmo. Me senti meio primata, um pouco índia, pintando o rosto com as mãos. Creio que foi nesse pensamento que pensei que pintar os olhos apenas era muito atual e eu queria algo além, algo mais da essência, algo que passasse do comum e das limitações que a sociedade – que papinho de socialista furado esse, hein, moça – impõe. Então peguei o delineador e risquei o rosto. Primeiro um traço fino. Outro mais grosso. Uma mancha, um borrado. Não tem problema. Do outro lado, um coração. Comigo, sempre tem coração. Não saio do clichê, mas é o meu clichê. Que nem as palavras do vendedor ambulante eram as palavras dele. Quis acender um incenso, busquei nos meus armários tão bagunçados, não encontrei. Naquele momento eu acenderia e espirraria e acharia lindo que estava com um incenso aceso e espirrando e pintando rosto e ouvindo minhas músicas e rindo e chorando e interpretando e me destruindo de mim mesma, e me encontrando em qualquer outro lugar desse quarto que até que enfim está tomando a minha cara. Até aquela mancha rosa na parede que eu tapo com um quadro de fotos preto-e-branco – pra lembrar que preto e branco também é cor – é a minha cara. Sou meio manchada, assim. Meio incompleta, também. Mas pintada, dançando, rindo e sóbria sóbria sóbria eu tava sendo sincera comigo mesma e ainda mais além. Então tirei fotos, mas daí já roubei toda a sinceridade do momento e logo me arrependi de ter tirado as fotos e me senti feito os índios que achavam que a câmera fotográfica roubava a alma, mas acho que eles confundiram a palavra, creio que eles queriam dizer que a câmera rouba o momento que em vez de sentirmos estamos preocupados em retratar. Então a mágica quebrou e eu peguei minhas roupas e fui pro banho. Pensei, de novo, que queria muitas coisas. Talvez não incenso, mas velas. Eu gosto de velas. E falar dele, também. Dele não sei se gosto. Mas não agora. Falo em breve. Num próximo texto. Numa próxima vida.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

"Cadê teus textos?"

Engaiolados, trancados em alguma gavetinha dentro de mim. Penso que cansei de me repetir, de falar das minhas inconstancias, das minhas procuras, das minhas (in)seguranças e tristezas. Poderia escrever sobre tudo isso, como já escrevi. Só que momentos tão únicos quando nao expressados são tão medíocres quando colocados em palavras.
Não tenho escrito por não saber o que viver e não querer provocar nenhuma bagunça além da já existente aqui dentro. Minha inconstância e gênio forte já são maléficos suficientes fora para além do meu corpo e coração. Quando estão aqui dentro, me preocupam ainda mais. O problema é que escrever é se procurar. Ando segurando as rédeas pra não perder o controle das situações. Para não perder o controle de mim. Conversava com ela, aqueles olhos claros que me fitam toda segunda e sexta-feira. Pra começar e terminar a semana com alguma conclusão que pareciam tão claras mas iam - e ainda vão - se perdendo ao longo dos dias. Me olhou e disse que eu era muito esperta, que todo esse tempo que pensavamos que eu fugia dos outros, fugia mesmo de mim mesma. Calei-me. Não tinha muito o que dizer depois dessa conclusão. Vou falar o que? "pronto, me desvendou"?. E do que adianta se desvendar se não se sabe o que fazer com isso? Revolution is not easy with a civil war on the inside, já dizia o poeta. Daí lembro da frase do Nenê de 'eu estou cansado de estar cansado' e de que " 'calma não é pra mim' foi só uma frase que inventei pra me manter no meio do redeminho". Porque eu gosto do redemoinho. Eu gosto da montanha-russa, do frio na barriga, do incerto. E por isso a inconstância. São muitas aqui dentro numa total incoerência e ela me apontando o quão frágil e forte eu sou. O quanto eu gosto do drama. Escrevi há poucos pra vida que a gente se vitimiza tanto. Costuma a achar as coisas maiores do que são e se sente idiota por saber que tá fazendo tempestade em copo d'água, mas sem conseguir parar de fazer. É que a gente teme o normal, o rotineiro. Porque, pra nós, o normal, o rotineiro, mata. Consome, cega, acostuma, lava o teu cérebro e tu acha que aquela é a única opção da vida, quando tu podia estar fazendo um milhão de coisas - longe de tudo isso que a gente construiu. E acabo pensando se o que eu faço não é simplesmente banalizar tudo que eu já construí. Cuspir no prato que comeu, sabe? Diminuir tudo que se criou, para si. Não sei o quanto querer mais e diferente é bom, é revolucionário. Ou só é fuga. É não saber lidar com dor, com pesar, com desconforto, desagrado. Pular fora na primeira discordância, no primeiro mal-estar. É ir pro calmo, pro seguro, pro que se tem controle. Pra poder construir qualquer castelo de cartas novamente e abrir a janela para que o vento entre e derrube tudo. Acontece que a gente se esquece que life starts when you get out of your comfort zone. Daí me acho mesmo uma hipócrita, uma fraude, uma ilusão (maya maya maya). Penso que tudo que falo é pra construir alguém muito mais forte, bacana e descolada do que quem escreve agora. Mas depois releio os textos que escrevo e não me acho nem um pouco frágil, clichê e medrosa como as palavras que aqui me definem. Daí ela me olha de novo naquelas quatro paredes brancas, onde eu sento na cadeira mais colorida sempre e me diz "acho que tu tem medo. mas do que tu tem medo? e qual é o problema de não estar tudo bem? qual é o problema de estar tudo parado?". E me acho total incompetente de não saber responder nem do que tanto temo. Porque pra mim, tudo é fantasia sempre, por mais que sempre peça coisas mais reais. Concluo que, pra mim, o real é a fantasia. E é perigoso que se imagine que o real possa ser fantasia porque a fantasia é perfeita. A fantasia é como a gente quer que seja, no momento que a gente quer. Na fantasia, pode-se querer tudo, ao mesmo tempo. Em questão de segundos, se está em outro lugar, com outras pessoas, falando outra lingua, vivendo outra realidade. Na fantasia, ninguém fica magoado. Na fantasia, tu é o centro - e só. E daí pensei MEU DEUS DO CÉU, como eu sou boba e egoista de querer viver na fantasia o tempo todo, de ter tudo certo aqui dentro da minha mente e como sou covarde de não encarar o que realmente é realidade. De odiar encarar o dia a dia, em que a chuva não é bonita e romantica, mas sim traiçoeira (chuva neeeegra) e traz doença e sujeira e mal humor. Nada de bonito. Chuva é bonita dentro de casa escutando música. Dentro de casa escutando música é fantasia. Realidade é sair correndo do almoço, atrasada pra ir trabalhar - na chuva. Chegar encharcada e não ter tempo de se secar porque na realidade o telefone não para de tocar, as demandas nao param de chegar e só existe desencontros e desavenças. Realidade é o não controle. E realidade é a vida. Fantasia serve pra impulsionar. Mas se não impulsiona, se só imagina, sonha, nada adianta. Todo mundo deveria sonhar, sim. Mas todo mundo deveria encarar a realidade. e E AI, vai ter isso isso isso de dificuldade, VAI ARREGAR OU VAI ENCARAR? Tu vai ter que acordar todo dia as seis da manhã, ler um milhão de textos, passar fome, pegar ônibus lotado, discutir com um monte de gente, não baixar a cabeça. Porque o mundo não é perfeito e a gente tem que batalhar por igualdade, por segurança, por sinceridade, por educação, por cultura. PORQUE NA FANTASIA todo mundo tem isso. E melhor do que viver na fantasia querendo que seja real, é construir um real que parece fantasia. Não o tempo todo. Mas o tempo que der. E isso é a gente que faz. Não são os outros. É a gente. Escolho não arregar e me dói colocar na parede. Me dói ao mesmo tempo que fortalece. Por onde andam meus textos? Engasgados por aí. Mas pra conseguir continuar convivendo comigo mesma, pelo menos por um tempo até que eu me aquiete e aceite todas essas condições de mim, enquanto olhar no espelho por muito tempo me dar vontade de destruir a mim mesma e todo o resto do mundo, enquanto isso, não escrevo. Pra tentar me descobrir no tempo, sem forçar. Pra ir até onde eu possa aguentar. 'Peixes é ir até o limite, ir até a beira do abismo e balançar os pés'. Tou balançando aqui. Mas tenho que voltar, não posso me atirar. Porque se atirar e sair voando é fantasia. E eu tou vivendo no mundo real. E meus textos são fantasias, fingindo que estão no mundo real. E não posso mais fingir desse jeito.

sábado, 30 de outubro de 2010

todo fim é só um recomeço

“Minha aparência é péssima, a mente e o corpo exaustos. Mas existe uma tranqüilidade estranha. Não tenho mais nada a perder. Não sabia que o mundo era assim duro, assim sujo. Agora sei. Tenho apenas essa consciência, que só a loucura ou uma lavagem cerebral poderiam turvar. Sobrevivo todos os dias à morte de mim mesma. Sinto como uma virilidade correndo no sangue.”

Caio F.

E eu já me acostumei a achar que faço tudo errado. Que qualquer desencontro ou briga que aconteça é culpa minha. Culpa do meu jeito torto, passional, atrapalhado de ser. Mas daí penso que ninguém, em momento algum, deve deixar outro com quem se diz preocupar sozinho sentado na mureta, ainda mais quando o corpo pede descanso e a fala procura um porto seguro que vem a apresentar segurança nenhuma, apenas bomba relógio. Sei que muitas vezes sou insegura, injusta, egoísta. Momentos que passam tão veloz quanto um assopro de vela e volto a ser preocupada, dedicada, justiceira. Mas atitudes como essa – gritos na frente de uma platéia, abandonos sem sentidos, palavras duras – que eu, no meu maior cuidado, apesar de irritada, triste, possessa, nunca tomaria. Fiz um voto. Nem contigo, mas comigo mesma. De cuidado com quem eu digo que quero bem. E o cumpro.

Piso em ovos, me calo pra não criar mais desavenças. Perde-se cumplicidade e só trazes armas e pedras. Me acusas dos teus erros, dos teus medos, das tuas ansiedades. Não sou nenhuma santa e também perco o controle. Mas nossa, sei abaixar a cabeça e faço isso com freqüência. Sempre que tua voz calma se apega apenas a fatos pontuais e não há história inteira. Me enrola e aceito, porque achava que queria estar aqui. Isso não é nenhuma batalha, como tu lembra o tempo todo. Argumento de guerra pra que eu tire minha armadura e tu ataque de forma mais ágil para o que? Fico sem entender, não sei onde queres chegar e, sinceramente, depois dessa, não quero nem saber. Que chegue – sozinho.

E diz que eu sou infantil, menina que não sabe nada do mundo, que não sei vier sem drama. Ainda grita comigo na frente de todos e eu morro de vergonha e pego minhas coisas e vou embora. Entro no primeiro táxi que encontro e não agüento ouvir o motorista falar das maiores bobagens do mundo e eu rindo pra não transparecer que tudo aqui de mais bonito que dentro se vai embora, se desmancha, se desfaz. Todo o mundo que criei, nos últimos dois meses, escorrendo pelas mãos. Sei que vai criticar meus textos, minhas músicas, minhas maneiras de procurar respostas. Aponta o dedo para mim para as minhas formas de expressão, mas me culpa e me julga sempre que não consigo compreender as tuas. Quando digo que não acredito que não consigas dizer a tua própria namorada que gostas dela e me argumenta que é um problema teu de vida, penso que ainda não encontrou alguém que gostes o suficiente para dizer tal coisa. Porque quando se gosta, não se segura. É aquela coisa que escapa da boca sem se controlar. Quando vê, se disse. Como se o sentimento fosse maior que do que o próprio processo de perceber o que se estar sentindo. E é. Assim, acabo concluindo que não gostas tanto de mim e então me acho boba e realmente infantil e me sinto péssima de não entender que existem outras realidades de gostar além da minha. E digo ‘deixa de ser boba, é óbvio que ele gosta’. Me contradigo e me faço ficar quieta. Me redimo e ligo e procuro e tento entender tudo e mais um pouco de ti. Sem sucesso. Mas quando me abandona numa mureta suja com toda essa fraqueza e dor e perda no corpo e no coração, quando me deixa de lado em qualquer crise que não consigo – nem me da espaço – pra entender, quando aumenta a voz e me envergonha e humilha, penso como pude deixar eu mesma calar a minha boca se sempre estive tão certa. Juro de pé junto que nunca mais vou ceder e me permitir ser levada até esse ponto. Penso que é aquela parte de mim que não tem remédio, aquela romântica que procura o encontro e o final de feliz. Mas daí acontece esses fins trágicos em que eu mando o taxista que não pára de tagalerar estacionar o carro na frente da tua casa. Eu desço e deixo tua camiseta na caixa de correio, escrevo um recado ameno como se pedisse desculpas, pra deixar todo esse caos mais tranqüilo. O bilhete fica apagado com a caneta que não risca mais – como a gente: recado apagado com uma caneta que não risca mais. E eu tentando. Tou cansada da falta de soluções. Tou exausta de me sentir por dentro como hoje, na noite de halloween, me apresento: ensangüentada, rasgada, suja, estragada. Penso mesmo que todas essas tuas ações e desistências são pura covardia de te enfrentar, de me enfrentar. Sinto raiva e ao mesmo tempo me sinto tão cansada pra sentir qualquer coisa. Saio do prédio e caminho pelas ruas pelo lado oposto do que deveria. Me encontro tão sozinha e penso que diriam que é perigoso uma menina perambular assim pelas ruas do Bom Fim a essa hora da madrugada. Pra mim não parece nada perigoso perto da crítica escolha de estar com alguém, de apresentar tuas falhas, seus medos, seu ponto fraco. Como fiz contigo, um dia. Caminhando, penso que me esqueci de deixar as chaves do teu apartamento, pois não sei mais se voltarei a as usar. Não sei o que esse tipo de ação tua significa, mas é difícil para mim que não seja o fim. Já não espero mais ouvir tua voz e não penso que voltará a me ligar, e que se ligar, não irei atender. Que eu não deveria sentir, nem me redimir nem passar por esse tipo de situação, de dor, de vazio, de total descaso. Todos os planos e conversas e vontades e cumplicidade que tentamos ter vão embora e não é só tu que sai de mim, não é só tu que vai embora. Leva contigo toda minha crença de algo que mais uma vez poderia ser, mas não foi. E, concluo, de uma vez por todas: o amor não é pro meu bico. E eu, que quero tanto e procuro tanto em todas as coisas, me encontro sozinha na frente do teclado em busca de uma companhia de ninguém mais além de mim, através de um documento em branco. Não tenho nem coragem de pedir ajuda pros meus grandes amigos companheiros de vida, porque não quero assumir mais uma vez que falhei. Que falhei, que me iludi, que me doei e que perdi mais uma parte de mim. Porque não há palavra alguma que console. E daí o telefone toca e eu nem espero que seja ele – e não é – e a voz do outro lado me fala “quer que eu vá pra aí?” e eu, como criança perdida da mãe no supermercado, digo: “vem, vem logo, por favor”. E os encontro no corredor, anjos da guarda falando alto, rindo da minha aparência e dizendo de como a minha fragilidade e reclamos e sinceridades são bonitos e reais. De como eu não sou tão perdida e tão desgraçada assim. Me lembrando do que realmente importa. De como eu, toda ensangüentada e suja e inchada e borrada, ainda sou linda. E brilho e pulso. Me sinto brilhar e pulsar, como há semanas não sentia. E me sinto cheia. Me abraçam com todos os braços e energias do mundo. Só soma, sem sugar. Invadem meu quarto, e das suas vozes sai todo o barulho e beleza da vida e me contam histórias e programam viagens e lêem textos e riem da minha aparência: tão zumbi reclamando de coisas tão humanas. E são os humanos mais anjos que já conheci na vida. Vão adormecendo aos poucos na minha cama, no meu sofá, em mim. E não há nada de posse, mas apesar do caos todo, nesse momento, eu sei exatamente onde eu quero estar e quem eu posso contar e chamar de meu.