quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Esse foi escrito em 8 de outubro de 2010 e eu gosto MUITO dele.

Desaprendendo.

Não gosto dos textos de “aprendi que…”. Porque, embora acreditamos que estamos a todo tempo aprendendo algo, estamos desaprendendo. Desaprendendo a falar, a ser sinceros, a ser da essência. Aprender a jogar não é aprender. Ter resoluções que não levam a nada - a não ser para escrever um texto bonito, as pessoas te elogiarem e você achar que é uma pessoa melhor - não é aprender. Se dar conta do que você nunca precisaria aprender, se você não permitisse ter sido corrompido aos longos os anos, não é ser uma pessoa melhor. É voltar atrás. É se mostra vencido. Se mostrar vencido não é ruim, mas não tem toda essa nobreza que você exala apresentando que baixou a cabeça e decidiu um dia “olha só, como eu sou coitado, fui orgulhoso e bati de cabeça tantas vezes e aprendi, finalmente”. Bem incoerente e revoltante assim. E culpam a mídia, culpam a sociedade, culpam seus pais, culpam seus amigos. Culpe a si mesmo. Com todo esse aprendizado que você diz que tem, o que você tem feito? Você tem amado ao próximo como a ti mesmo? Você tem amado teus inimigos? Ou tem esbarrado nele em festas, derrubado copos de cerveja? Você ajuda uma pessoa a juntar as coisas que derrubou no meio da rua num dia de chuva? Ou você segue apressado o seu caminho? Você possui compaixão? Aquela dos países germânicos - que é compartilhar o sentimento que o outro sente, não essa bobagem que nós, dos países latinos chamamos de compaixão. Goethe (foi Goethe?) diz que a gente confunde compaixão com piedade. Quanta bobagem, nós, amantes latinos, tão animados e calorosos, tão mais receptivos e amáveis que o resto do mundo. Então me diz, ó nativo do país que estende a mão, VOCÊ TEM ESTENDIDO A MÃO? Você aprendeu, com todas essas vivências que diz possuir, você voltou a ser inocente como uma criança sensível e tem feito o melhor para os outros, qualquer pessoa que cruze a sua vida? Você tem amado estranhos tanto quanto ama a sua família? Aprendeu a valorizar seus pais? Devíamos, DESDE SEMPRE, valorizar o ser humano, QUALQUER SER HUMANO. Devíamos ter respeito, solidariedade, compaixão. E me irrito com o mundo, com você, com meus pais, com a sociedade, com a mídia e, PRINCIPALMENTE, comigo. Que tou aqui, escrevendo esse texto, mas não fazendo tudo que poderia fazer. Sei que hoje, ao sair dessas quatro paredes em que me prendo para no final do mês ganhar algum dinheiro para que possa, não mudar o mundo, mas pagar minhas festas, bebidas, roupas e futilidades, sei que ao sair dessas quatro paredes vou sentar na sarjeta na rua enquanto a chuva caí e admitir que nesses meus 21 anos de estradas e desencontros e ditos aprendizados, não aprendi nada. E quem sabe, AÍ, eu possa ser uma pessoa melhor.

Boa sexta.

Esse é de setembro de 2010 e pode ser encontrado aqui: http://coracaodetinta.tumblr.com/post/1052156802/pra-mim-escrever-e-uma-especie-de-criacao-de


Pra mim, escrever é uma espécie de criação de identidade. De construir e si mesmo. Uma espécie de garantia de si próprio. Como se ficasse evidente tudo que se é, que se busca, que se quer. Mesmo dizendo o que não se quer, constrói-se algo: o não querer.

Não pararei de escrever, mas tenho tentado me buscar além daqui, além das palavras. Porque eu não preciso narrar e falar das coisas para elas existirem. Eu não preciso limitar elas em folhas, livros, papéis ou textos. Elas podem ficar aqui dentro sem se debater. Elas podem não ser nomeadas nem determinadas. Elas podem existir sem motivo. Porque algumas coisas simplesmente não tem uma razão. E preciso aprender que isso é bom, que isso é capaz de ser tolerado, que é até bonito e, principalmente, parte da vida. Assim, me ensino que não preciso ter sempre raízes. Que posso ter asas que tanto escrevo que tenho, mas andam um tanto quanto fechadas e presas. Preciso de um voo. Um mergulho. Saltei.

Esse é de 26 de Julho e foi postado com a foto aqui:
Eu reli agora e lembrei que gosto bastante. Só não tem nome.

Foi então que eu tive vontade de muitas coisas. De escrever, de falar dele, do outro, de mim, de ninguém. Falar dos riscos que fiz no rosto enquanto ouvia aquela banda que não lembrava a ninguém mais além de mim e me lembrava de todos ao mesmo tempo. De contar de todas as vezes que fugi e fingi que simplesmente não queria mais, mas quando o que eu mais queria era estar lá e não fugir e não temer e parar. Eu tive vontade de acender incensos e lembrei que tinha alergia e espirrava sempre com o cheiro e que não havia incensos em casa. Fora aqueles que comprei nesse verão na cidade baixa porque o vendedor falava num sotaque espanhol bonito e era muito simpático e me fez rir e um sorriso vale dois reais quando a pessoa necessita. Mas depois encontrei ele outra noite quente nas mesmas ruas e ele me veio com o mesmo discurso e então perdi o encanto e nunca mais tive vontade de acender incensos. Não que eu fosse acender – já disse que me dão alergia? – mas eu antes tinha vontade. Deixei de ter quando vi os mesmos argumentos, as mesmas brincadeiras, a mesma estratégia. Hoje, enquanto pensava nele, no outro, em mim e ninguém, tive vontade de acender incensos. E pensei se eu não era que nem aquele vendedor ambulante, que também repetia ações, fatos, palavras, estratégias. Se não somos todos repetitivos. E então me olhei no espelho. E comecei a pintar o rosto, usando aquele estojo de maquiagem há quatro anos – nossa, já faz quatro anos? – guardado no armário do banheiro. Não sei se havia um motivo específico, mas agora relatando me questiono se não foi para provar que não sou repetitiva. Que ainda tenho algo de criativo em mim e que é desperto a qualquer hora e então passei a sombra preta e aquele pó foi pintando a minha pálpebra. Não havia pincel, não encontrei e nem quis muito procurar, com medo que o impulso de pintar o rosto sem motivo algum passasse. Eu nunca fui detalhista, muito menos perfeccionista mesmo. Me senti meio primata, um pouco índia, pintando o rosto com as mãos. Creio que foi nesse pensamento que pensei que pintar os olhos apenas era muito atual e eu queria algo além, algo mais da essência, algo que passasse do comum e das limitações que a sociedade – que papinho de socialista furado esse, hein, moça – impõe. Então peguei o delineador e risquei o rosto. Primeiro um traço fino. Outro mais grosso. Uma mancha, um borrado. Não tem problema. Do outro lado, um coração. Comigo, sempre tem coração. Não saio do clichê, mas é o meu clichê. Que nem as palavras do vendedor ambulante eram as palavras dele. Quis acender um incenso, busquei nos meus armários tão bagunçados, não encontrei. Naquele momento eu acenderia e espirraria e acharia lindo que estava com um incenso aceso e espirrando e pintando rosto e ouvindo minhas músicas e rindo e chorando e interpretando e me destruindo de mim mesma, e me encontrando em qualquer outro lugar desse quarto que até que enfim está tomando a minha cara. Até aquela mancha rosa na parede que eu tapo com um quadro de fotos preto-e-branco – pra lembrar que preto e branco também é cor – é a minha cara. Sou meio manchada, assim. Meio incompleta, também. Mas pintada, dançando, rindo e sóbria sóbria sóbria eu tava sendo sincera comigo mesma e ainda mais além. Então tirei fotos, mas daí já roubei toda a sinceridade do momento e logo me arrependi de ter tirado as fotos e me senti feito os índios que achavam que a câmera fotográfica roubava a alma, mas acho que eles confundiram a palavra, creio que eles queriam dizer que a câmera rouba o momento que em vez de sentirmos estamos preocupados em retratar. Então a mágica quebrou e eu peguei minhas roupas e fui pro banho. Pensei, de novo, que queria muitas coisas. Talvez não incenso, mas velas. Eu gosto de velas. E falar dele, também. Dele não sei se gosto. Mas não agora. Falo em breve. Num próximo texto. Numa próxima vida.