sábado, 30 de outubro de 2010

todo fim é só um recomeço

“Minha aparência é péssima, a mente e o corpo exaustos. Mas existe uma tranqüilidade estranha. Não tenho mais nada a perder. Não sabia que o mundo era assim duro, assim sujo. Agora sei. Tenho apenas essa consciência, que só a loucura ou uma lavagem cerebral poderiam turvar. Sobrevivo todos os dias à morte de mim mesma. Sinto como uma virilidade correndo no sangue.”

Caio F.

E eu já me acostumei a achar que faço tudo errado. Que qualquer desencontro ou briga que aconteça é culpa minha. Culpa do meu jeito torto, passional, atrapalhado de ser. Mas daí penso que ninguém, em momento algum, deve deixar outro com quem se diz preocupar sozinho sentado na mureta, ainda mais quando o corpo pede descanso e a fala procura um porto seguro que vem a apresentar segurança nenhuma, apenas bomba relógio. Sei que muitas vezes sou insegura, injusta, egoísta. Momentos que passam tão veloz quanto um assopro de vela e volto a ser preocupada, dedicada, justiceira. Mas atitudes como essa – gritos na frente de uma platéia, abandonos sem sentidos, palavras duras – que eu, no meu maior cuidado, apesar de irritada, triste, possessa, nunca tomaria. Fiz um voto. Nem contigo, mas comigo mesma. De cuidado com quem eu digo que quero bem. E o cumpro.

Piso em ovos, me calo pra não criar mais desavenças. Perde-se cumplicidade e só trazes armas e pedras. Me acusas dos teus erros, dos teus medos, das tuas ansiedades. Não sou nenhuma santa e também perco o controle. Mas nossa, sei abaixar a cabeça e faço isso com freqüência. Sempre que tua voz calma se apega apenas a fatos pontuais e não há história inteira. Me enrola e aceito, porque achava que queria estar aqui. Isso não é nenhuma batalha, como tu lembra o tempo todo. Argumento de guerra pra que eu tire minha armadura e tu ataque de forma mais ágil para o que? Fico sem entender, não sei onde queres chegar e, sinceramente, depois dessa, não quero nem saber. Que chegue – sozinho.

E diz que eu sou infantil, menina que não sabe nada do mundo, que não sei vier sem drama. Ainda grita comigo na frente de todos e eu morro de vergonha e pego minhas coisas e vou embora. Entro no primeiro táxi que encontro e não agüento ouvir o motorista falar das maiores bobagens do mundo e eu rindo pra não transparecer que tudo aqui de mais bonito que dentro se vai embora, se desmancha, se desfaz. Todo o mundo que criei, nos últimos dois meses, escorrendo pelas mãos. Sei que vai criticar meus textos, minhas músicas, minhas maneiras de procurar respostas. Aponta o dedo para mim para as minhas formas de expressão, mas me culpa e me julga sempre que não consigo compreender as tuas. Quando digo que não acredito que não consigas dizer a tua própria namorada que gostas dela e me argumenta que é um problema teu de vida, penso que ainda não encontrou alguém que gostes o suficiente para dizer tal coisa. Porque quando se gosta, não se segura. É aquela coisa que escapa da boca sem se controlar. Quando vê, se disse. Como se o sentimento fosse maior que do que o próprio processo de perceber o que se estar sentindo. E é. Assim, acabo concluindo que não gostas tanto de mim e então me acho boba e realmente infantil e me sinto péssima de não entender que existem outras realidades de gostar além da minha. E digo ‘deixa de ser boba, é óbvio que ele gosta’. Me contradigo e me faço ficar quieta. Me redimo e ligo e procuro e tento entender tudo e mais um pouco de ti. Sem sucesso. Mas quando me abandona numa mureta suja com toda essa fraqueza e dor e perda no corpo e no coração, quando me deixa de lado em qualquer crise que não consigo – nem me da espaço – pra entender, quando aumenta a voz e me envergonha e humilha, penso como pude deixar eu mesma calar a minha boca se sempre estive tão certa. Juro de pé junto que nunca mais vou ceder e me permitir ser levada até esse ponto. Penso que é aquela parte de mim que não tem remédio, aquela romântica que procura o encontro e o final de feliz. Mas daí acontece esses fins trágicos em que eu mando o taxista que não pára de tagalerar estacionar o carro na frente da tua casa. Eu desço e deixo tua camiseta na caixa de correio, escrevo um recado ameno como se pedisse desculpas, pra deixar todo esse caos mais tranqüilo. O bilhete fica apagado com a caneta que não risca mais – como a gente: recado apagado com uma caneta que não risca mais. E eu tentando. Tou cansada da falta de soluções. Tou exausta de me sentir por dentro como hoje, na noite de halloween, me apresento: ensangüentada, rasgada, suja, estragada. Penso mesmo que todas essas tuas ações e desistências são pura covardia de te enfrentar, de me enfrentar. Sinto raiva e ao mesmo tempo me sinto tão cansada pra sentir qualquer coisa. Saio do prédio e caminho pelas ruas pelo lado oposto do que deveria. Me encontro tão sozinha e penso que diriam que é perigoso uma menina perambular assim pelas ruas do Bom Fim a essa hora da madrugada. Pra mim não parece nada perigoso perto da crítica escolha de estar com alguém, de apresentar tuas falhas, seus medos, seu ponto fraco. Como fiz contigo, um dia. Caminhando, penso que me esqueci de deixar as chaves do teu apartamento, pois não sei mais se voltarei a as usar. Não sei o que esse tipo de ação tua significa, mas é difícil para mim que não seja o fim. Já não espero mais ouvir tua voz e não penso que voltará a me ligar, e que se ligar, não irei atender. Que eu não deveria sentir, nem me redimir nem passar por esse tipo de situação, de dor, de vazio, de total descaso. Todos os planos e conversas e vontades e cumplicidade que tentamos ter vão embora e não é só tu que sai de mim, não é só tu que vai embora. Leva contigo toda minha crença de algo que mais uma vez poderia ser, mas não foi. E, concluo, de uma vez por todas: o amor não é pro meu bico. E eu, que quero tanto e procuro tanto em todas as coisas, me encontro sozinha na frente do teclado em busca de uma companhia de ninguém mais além de mim, através de um documento em branco. Não tenho nem coragem de pedir ajuda pros meus grandes amigos companheiros de vida, porque não quero assumir mais uma vez que falhei. Que falhei, que me iludi, que me doei e que perdi mais uma parte de mim. Porque não há palavra alguma que console. E daí o telefone toca e eu nem espero que seja ele – e não é – e a voz do outro lado me fala “quer que eu vá pra aí?” e eu, como criança perdida da mãe no supermercado, digo: “vem, vem logo, por favor”. E os encontro no corredor, anjos da guarda falando alto, rindo da minha aparência e dizendo de como a minha fragilidade e reclamos e sinceridades são bonitos e reais. De como eu não sou tão perdida e tão desgraçada assim. Me lembrando do que realmente importa. De como eu, toda ensangüentada e suja e inchada e borrada, ainda sou linda. E brilho e pulso. Me sinto brilhar e pulsar, como há semanas não sentia. E me sinto cheia. Me abraçam com todos os braços e energias do mundo. Só soma, sem sugar. Invadem meu quarto, e das suas vozes sai todo o barulho e beleza da vida e me contam histórias e programam viagens e lêem textos e riem da minha aparência: tão zumbi reclamando de coisas tão humanas. E são os humanos mais anjos que já conheci na vida. Vão adormecendo aos poucos na minha cama, no meu sofá, em mim. E não há nada de posse, mas apesar do caos todo, nesse momento, eu sei exatamente onde eu quero estar e quem eu posso contar e chamar de meu.

Nenhum comentário:

Postar um comentário