domingo, 18 de outubro de 2009

Inacabado


Não sei como acabar porque não sei como termina.
Como muito da minha vida, esse é inacabado.

Foi uma dessas noites de insônia. Não que elas fossem frequentes, não eram. Normalmente, deitava nos lençóis macios, lia meia página de algum livro da cabeceira e logo dormia para suas - no mínimo - dez horas de sono. Hoje, não. Hoje deitou, leu algumas frases que não fixavam na mente, releu mais algumas palavras, desistiu. Apagou a luz, contou: carneirinhos, histórias, contos de fadas, sonhos. Não conseguiu. Foi até a cozinha: nada na geladeira além daquela massa com requeijão de sempre. Era só o que sabia cozinhar: massa ou ovo. Nada de doce. Nada de muito requintado. Nada que fizesse perder mais tempo na cozinha do que pensando no resto do mundo. Nada que a prendesse por muito tempo. Tinha isso: não gostava de ser presa. E, quando via, possuía asas que a levavam por todos os lugares. Hoje não. Hoje tinha uma corrente com quilos preso nos pés, segurando-na ali. Na cozinha, com a massa. O que se faz? Esquenta. No fogão. O microondas havia estragado há meses e ainda não tinha levado para consertar. Não sabia nem se era por falta de dinheiro ou por falta de tempo. Não que faltasse tempo no seu dia, gastava bastante ele fazendo coisas pequenas que poderiam ser dispensadas, mas que faziam parte da sua rotina. Só faltava tempo pra isso: pra telefonar pro Seu Carlos buscar o microondas e levar pra fazer um orçamento. "E", pensou, "mesmo se fosse barato o orçamento, duvido que eu fosse buscar essa tralha lá". Mais fácil comprar um novo. Mas não possuía dinheiro suficiente pra comprar um novo e, se possuísse, gastaria com outra coisa que lhe fizesse mais feliz do que um microondas. Afinal, tanta coisa pode te fazer mais feliz que um microondas, não é? Colocou o fogão no fogo baixo, aqueceu a massa. Colocou o requeijão por cima, pra derreter, sabe como é. E começou a escrever, porque era isso que fazia quando se perdia nos pensamentos e a insônia abalava suas maravilhosas mínimas 10 horas de descanso.

Talvez pudesse ter sido o horário de verão. Mas isso te atrasa (ou adianta?, nunca sabe) o sono uma hora só. Ficar até as cinco da manhã acordada e justificar dizendo que é por causa do horário de verão é querer se enganar. Mas então, o que te incomoda? Mas quem disse que algo incomoda se tu não é capaz de dormir? Vai ver que simplesmente aquela noite tu não deveria dormir e não há nada incomodando. Algo te faz ficar acordada e depois de um tempo tu descobre porque. Se bem que, se até as cinco da manhã nada aconteceu, não há muito motivo pra te manter acordada, não é? Talvez simplesmente não tenha motivo nenhum. Mania neurótica essa dos seres humanos de quererem ver razão para todas as coisas. Ficou-se acordada. Aproveita. São poucos esses momentos de solidão numa casa que é sempre repleta de gente.

Vai ver que era isso: a solidão. Foi deitar e se sentiu tão só. Mas não esse só gostoso, esse só que se escolhe estar. Mas aquela solidão medonha, tipo dama da noite. Fugindo do caminho das trevas em que há o lobo mau. Seguindo a seta que ela mesma criou pra apontar o seu destino, sem nem saber se aquele era o melhor a seguir. Mas, de novo: mania chata essa de ter que saber tudo sempre, seguir o melhor caminho, fazer tudo certo! Errar também é viver - e te faz sentir tão vivo quanto acertar. Sentiu-se só, enfim. E, para não sentir-se só no escuro, foi escrever: para fazer companhia a si própria.

Vai ver o que temeu foi os sonhos que anda tendo. Um pouco escuros e sem sentido. Bastante nostálgicos e poderosos. Ela sempre teve medo quando o inconsciênte a domina mais do que a razão. Com os sentimentos e impulsos que a levavam para lugares que sabia que não deveria estar, mas onde queria estar, sempre se deu bem. Agora, com o inconsciente que se manisfesta sem que ela possua qualquer controle, esse desconhecido, morre de medo. Teme do que pode querer sem nem saber. Prefere continuar na ignorância de si mesma. Foge da escuridão.

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